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Old Posted May 4, 2012, 12:06 PM
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LLAP
 
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Sempre perto, mesmo longe

"Isso é tortura." Belarmino Iglesias Filho está de costas para o salão e fica aflito com a fragilidade de sua posição. Não pode ver o entra e sai de clientes ou monitorar sua equipe no restaurante Baby Beef Rubaiyat, da avenida Faria Lima, em São Paulo.

Nem foi uma estratégia para desarmá-lo em seu próprio território. Só uma opção da fotógrafa Silvia Costanti para conseguir mais "ambiente" no retrato. Ele está incomodado também com o iPhone 4 que acabou de ganhar porque seus dedos são maiores que as teclas. "Levaram meu Blackberry embora e me deram esse. Lá em casa todo mundo é Apple."

Dominar o celular é uma questão essencial desde que decidiu abrir mão da mesa no escritório e da secretária. Resolve os negócios dos cinco restaurantes e da fazenda em Dourados (MS) pelo aparelho, para simplificar a vida.

Torce o pescoço para encontrar seu gerente e agita o braço para ser atendido, como uma tartaruga de casco para baixo. João Rosemberg se materializa ao lado da mesa. "Rosemberg é meu gerente. Foi fazer a Espanha comigo, quando abrimos a casa em Madri há cinco anos", diz. "Traz pão quente pra gente."

Ele se refere a um círculo gigante em forma de pretzel, mas com massa de foccacia, que fica num suporte na mesa, numa espécie de altar. Todos os pães são feitos na casa e a partir de uma mesma levedura, trazida por Francis Malmann quando o chef argentino veio a São Paulo cuidar de uma das casas do grupo, o Figueira. Belarmino é um entusiasmado pelo pão, desenvolvido pela auxiliar de cozinha de Malmann na época, Paola Carossela.

Chega a versão quentinha e mais uma porção de coisinhas apetitosas. " Tá vendo esse couvert? Vou mudar tudo. Não tem mais nada a ver essa estética de potinhos. Vou botar uma tábua gigante com tudo em cima. Quero mais informalidade."

A experiência de três anos em Madri foi decisiva na sua nova postura como empresário que quer descomplicar. "Lá, nossos 55 anos não valiam nada. Só os últimos 55 dias. Foi uma lição de desapego." Conta que no primeiro dia da casa espanhola um cliente entrou e pediu "una clara". "Como eu não tinha a menor ideia do que se tratava, apesar da minha dupla cidadania e de ir todos os anos para o país, devolvi com outra pergunta: 'Mas como la quieres? Líquida?', lembra-se rindo. Clara é um chope misturado com soda limonada, explica. "Não tem jeito melhor de estragar um chope, mas são as idiossincrasias do país."

A abertura de sua quinta casa, a primeira na Europa, foi cercada de expectativa. Era como fazer a viagem de volta do pai, que aportou no Brasil em 1951 sem um tostão no bolso e num prazo de oito anos tinha seu primeiro restaurante. "Mas cheguei no último ano de crescimento da Espanha. E então se abateu a crise."

Desde então, a queda no movimento foi de 30% e ele começou a trazer os talentos que levou para lá, uma centena de funcionários. Abriu mão do escritório local e vivia sem mordomias, numa casa alugada, sem empregada e decorada com móveis da Ikea. "Entendi que menos é mais. Minha família ficou mais unida." Hoje, a operação está no azul e é "a casa mais cheia de Madri".

Bela, como é chamado pelos amigos, diz que na Europa conseguiu olhar seu negócio de cima do lustre e reparar que gente "muito maior" por lá tinha mais tranquilidade para lidar com as conquistas. "O brasileiro é muito vaidoso. Eu também era, mas isso hoje não faz mais sentido."

O ano passado foi particularmente difícil. Seu pai, Belarmino Iglesias, fundador do grupo e até então bastante atuante, sofreu um AVC aos 78 anos e ficou 60 dias na UTI. Hoje, está em recuperação, mas não fala e tem os movimentos comprometidos. Foi o filho quem sentiu-se momentaneamente imobilizado. "Perdi meus braços direito e esquerdo." O acidente foi um choque e o alertou para a brevidade da vida. De garçom a empreendedor de sucesso do ramo gastronômico, seu pai trabalhou a vida toda. Assim, se voltou da Espanha disposto a desenrolar a rotina e se aposentar aos 60 anos, com a doença do patriarca Bela antecipou o plano. Quer se retirar do comando daqui a quatro anos, quando completar 56. "A gente tem de saber a hora de parar. E agora vou trabalhar para isso."

- Jura?

- Pode me procurar daqui a quatro anos. Comigo não tem nada mais ou menos. Odeio aquela expressão 'não me sinto confortável'. Para mim, ou é ou não é.

Num prazo de 18 meses, vai abrir três restaurantes: Brasília, Rio de Janeiro e, surpresa, Cidade do México. "Estou profissionalizando a empresa para uma expansão latino-americana." Quando 2016 chegar, Belarmino pretende estar também em Lima, Bogotá e Santiago, cobrindo as principais capitais, uma vez que já tem a Cabaña Las Lilas em Buenos Aires, desde 1995. Trouxe seu administrador madrilenho Fernando Lopez para comandar e criou quatro diretorias (operações, gente, construção e logística) para viabilizar a empresa, que dobrará de tamanho, alcançando dois mil funcionários e servindo dois milhões de refeições por ano. "No novo desenho da empresa, não tenho cargo executivo. Serei só um 'inversor'."

Vai usar recursos do BNDES nas casas e terá sócios locais, além de dar participação para os "talentos" da empresa. Alguns já estão definidos. Em Brasília, Guilherme Cunha, diretor de relações institucionais do Grupo Cunha, terá 20% da casa que vai ser construída num terreno de 5 mil metros alugado no Lago Sul. A área fica ao lado do clube Nipo-Brasileiro, e o restaurante que será construído terá uma grande "terraça" com vista para o lago. No Rio, seu sócio é David Zylbersztejn, ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo, e amigo de longa data. " O David não entende nada de restaurante, mas vai evitar que eu erre. Ele conhece muito bem a cidade."

Difícil é encontrar o lugar ideal diante do boom imobiliário carioca. "Estou buscando em regiões que estão sendo revitalizadas." Toda semana embarca para o Rio com grande prazer, para procurar um ponto. "Chega uma hora que você tem que fazer o que gosta e o que te convém. Com um Baby Beef Rubaiyat no Rio, penso em ter uma casa lá. Adoro água e meu humor já muda só de pousar no Santos Dumont."

Mais uma torcidinha de pescoço. "Ficar de costas está me matando. Vamos tomar um vinho?" Rosemberg aparece. Deve monitorar o contorcionismo do patrão. Bela pede para chamar o sommelier, mas o moço está de férias. Então, ele mesmo escolhe um vinho. "Vamos tomar um Pintias 2006. Um vinhão da Vega-Sicilia. É feito numa região vinícola nova para eles, em Toro. Respeito muito este vinho. Daqui a dez anos vai ser igual aos Vegas." Para acompanhar, uma porção de "jamon" Pata Negra. Uma combinação ibérica acolhedora. E, com o perdão do entrevistado, caminho asfaltado para sentir-se confortável.

Apesar de trabalhar com o pai há 30 anos, Bela não planejou ser dono de churrascarias. Nem seu Belarmino queria. O filho se formou em economia na USP com pós- graduação na Getúlio Vargas e MBA em gestão da hospitalidade, em Cornell. O primeiro emprego foi no banco América do Sul. Depois partiu para a Nossa Caixa. Ia seguir carreira na área financeira quando viajou, como todos os anos, para Rosende, cidade onde o pai nasceu, na Galícia.

"Durante o percurso de Madri até lá, que durava 14 horas num trem, meu pai me disse que iria vender os restaurantes e se aposentar. Fiquei preocupado, porque a proposta apresentada por uns portugueses era para pagar em quatro anos. Eu disse que a inflação ia comer todo o dinheiro. No final, ia ficar de graça para os portugueses."

O pai não falou nada. Mas, já de volta ao Brasil, pediu para Bela acompanhá-lo ao encontro com os compradores no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. A proposta foi recusada. "Meu pai disse uma frase que marcou minha vida: 'Quem não vende, compra de novo. Você quer trabalhar comigo?'" Foi só então que Bela entrou no negócio.

- A formação de economista foi fundamental na sua trajetória?

- Ajudou muito pouco. Empresa familiar não tem orçamento, "business plan" ou controle de caixa. Tive que forçar muito a disciplina. Hoje, somos uma empresa 'paperless', auditada por uma das "big four".

Não quer que os filhos sigam seus passos. "É uma vida muito doída. Para você ter uma ideia, quando abrimos o Figueira, em 2001, fiquei seis meses direto lá. Não jantei um único dia em casa."

Essa entrega tem raiz cultural. "Para os imigrantes, lazer é um pecado. Na minha infância, entre o Pacaembu e o Paraíso, nunca tive um carrinho de rolimã. Pilotava aparadores no chão de mármore lisinho do primeiro Rubaiyat, na Vieira de Carvalho."

É por isso que marcou uma data para parar, pelas férias de mais de dez dias que nunca tirou, por não conhecer a Ásia, por não ver os filhos crescerem (casado há 20 anos com Ana, ele tem os moços Diego e Vitor, além das enteadas do primeiro casamento dela, Marcela e Clara). "Trabalhei muito para a família e para mim também. A vida me dá muito mais do que preciso, não posso me queixar. Mas você não compra o tempo para trás." Belarmino precisa de seu carrinho de rolimã, seu "Rosebud".

Uma opção é um turboélice que pretende comprar para poder visitar todas as casas da rede, lá em 2016. "Piloto desde os 16 anos. Tenho um monomotor, um Cessninha 210, mas vou precisar de mais autonomia, né?" O avião também seria o transporte para viabilizar que ele passasse mais tempo na fazenda em Dourados, onde tem um plantel de 12 mil cabeças de gado, que responde por 60% de toda a carne bovina consumida nas casas."Gosto de agrobusiness e se ficasse por lá no futuro teria de lidar só com 50 funcionários. Seria um descanso."

Para provarmos exemplos de sua criação, Belarmino sugere duas carnes. A primeira é um corte chamado "queen beef", carne de novilhas abatidas com 350 quilos e 18 meses. O segundo, um "kobe beef". "Junto pode vir uma salada Rubaiyat, uma farofa Luís Tavares e um arroz 'Biro-Biro'." A fotógrafa, mineira que passou a última década no Rio, não conhecia o arroz com batata palha criado em homenagem ao jogador do Corinthians - por sinal, time do coração de Bela e do pai.

Outro brinquedinho na lista é um "trawler" de mais de 70 pés, com o qual sonha há tempos. "Não gosto de vela, ficar ao sabor do vento. Demora muito. Quero um motorzão para chegar logo." O barco ficaria quatro meses no verão brasileiro e seguiria em busca do calor de Ibiza, onde hoje ele veraneia todo ano, ou no Caribe, em Saint Barthélemy. Por enquanto, contenta-se com uma Ferreti 50, que tem na casa de Angra, para matar a vontade de estar na água. "Minha lancha é um clássico. Para o que eu preciso, ela resolve."

Foi com esse raciocínio que seu Audi A3 2001 chegou a 180 mil km e fundiu o motor. Para um dos maiores "restauranteurs" do país, ter um carro velho parece gênero. "A verdade é que não ligo muito para carro e o Audi me servia muito bem, até pifar." O dilema de Belarmino agora é vender o carro por uma merreca ou arrumar alguém que o recupere. Enquanto isso, anda de táxi. "É uma liberdade ir e vir. Só falta aprender a usar o iPhone."

Belarmino decide que a ocasião merece um Vega-Sicilia 2005, um exemplar de sua adega pessoal. É mais uma comemoração. Afinal, o primeiro passo para a vida de turista foi dado em dezembro. Belarmino garante ter chegado, enfim, a um bom termo com os irmãos Carlos e Fernando nesse novo momento do grupo. Pelo desenho inicial da holding, o pai tem 40%, Bela 40% e os irmãos, 10% cada um. Mas a doença do patriarca gerou uma certa tensão entre os irmãos com relação ao futuro. "Tive um Natal muito triste porque sempre passávamos juntos, na casa da minha mãe, e dessa vez fiquei aqui, nesse restaurante. Mas agora posso dizer que a harmonia foi alcançada. Sou tutor do meu pai e estou à frente da expansão."

Chapa quente. Cortina de fumaça. Chega o primeiro corte fumegando na grelha comunitária colocada na mesa. "Tem que comer logo, se não fica ruim. Esta é uma carne mais suave, macia, de fibras mais longas." O corte é mesmo delicado, sutil. Por isso, Belarmino vai logo alertando: "O vinho vai ficar melhor com o kobe, que é mais intenso e gorduroso. Segura melhor o Vega."

Bela leva a sério sua raízes. Faz parte do conselho do colégio Miguel de Cervantes há mais de 15 anos - o pai foi um dos fundadores do centro educacional hispano-brasileiro. Tinha um alfaiate espanhol no centro de São Paulo, mas agora que abriu mão dos ternos compra todas as roupas no El Corte Inglês, em Madri. Na cidade também avia seus óculos e até corta o cabelo. "Tenho mais tempo quando vou para lá do que quando estou no Brasil. E é mais barato." Também faz contas em espanhol: prefere dizer "inversor" a investidor.

Em sua "administração remota", como gosta de dizer, a única hora diária que reserva para si é desfrutada na academia. Quando adolescente, praticava jiu-jitsu. Aprendeu com Gastão Gracie a se defender de um garoto que durante um ano bateu nele na escola, o colégio Dante Alighieri. "Dei uma surra nele no laguinho do Parque Trianon. Nunca mais briguei na vida." Hoje, para trabalhar os músculos em paz e silêncio, montou uma estrutura básica em sua casa no Morumbi, e fica lá na esteira, na bicicleta. Pode ler uma revista, ou um jornal, ou simplesmente assistir ao programa de Ana Maria Braga. "Esse momento é sagrado." Como machucou o joelho recentemente, está pegando mais leve e engordou cinco quilos em 40 dias. "Mas logo perco de novo."

O kobe vem chiando. Com um sorriso que parece irônico, Belarmino pergunta se não queremos umas batatas suflê. Nem pensar. Até o Biro-Biro é ignorado diante do corte suculento que, claro, vai bem com o vinho. Mas, afinal, com um Vega-Sicilia 5º ano, o que poderia dar errado? Terminamos a refeição sem desperdício. Como filho de imigrantes, ele não permite que sobre comida no prato. Quebra até uma regra sagrada da casa e não nos deixa pagar a conta. "Adoto a frase da Maria Della Costa: 'Não me peça para dar a única coisa que tenho para vender'. Mas hoje foi uma ocasião diferente." Foi mesmo. O dia em que Belarmino ficou de costas.

Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/2643...to-mesmo-longe
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