View Single Post
  #523  
Old Posted Feb 9, 2014, 4:50 AM
pesquisadorbrazil's Avatar
pesquisadorbrazil pesquisadorbrazil is offline
LLAP
 
Join Date: May 2011
Location: Brasília DF
Posts: 27,475
Richard K. Green - "Devemos bancar o aluguel de vizinhos pobres"

Autor(es): Marcelo Moura
Época - 03/02/2014



Para o especialista em desenvolvimento urbano, subsidiar a moradia em bairros centrais sai mais barato do que deixar a cidade se espalhar demais e, depois, tentar urbanizar


As propostas do consultor Richard K. Green podem parecer exóticas no Brasil. Aqui, o prefeito da maior capital do país equipara o debate sobre o imposto predial urbano a uma disputa entre a casa-grande e a senzala, e uma ministra diz que a preocupação com os "rolezinhos" é uma "reação de brancos". A discussão sobre a gestão do espaço urbano merece ir além dos cacoetes ideológicos. Especialista em desenvolvimento urbano da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, Green veio ao Brasil firmar uma parceria com o governo de São Paulo. Ele defende ideias de matizes diversos, como retirar os incentivos do governo à casa própria e subsidiar a moradia de famílias humildes em bairros nobres.

ÉPOCA – O mercado imobiliário brasileiro registrou a maior valorização do mundo nos dois últimos anos. Como ex-diretor da Freddie Mac (financeira envolvida na crise do mercado residencial americano, em 2006), o senhor diria que o Brasil corre o risco de sofrer com uma bolha imobiliária?

Richard K. Green – A procura por imóveis é muito maior que a oferta. Isso justifica uma alta de preços, mesmo com o baixo crescimento da economia brasileira. Há uma grande diferença entre o Brasil e os países que enfrentaram um estouro de bolha imobiliária, como Estados Unidos, Portugal e Grécia. Aqui, o grau de endividamento é baixo. Se os preços caírem de repente, não causarão um efeito dominó. Ainda assim, há motivos para preocupação. Primeiro: a valorização pode em algum momento incentivar a especulação, baseada na ilusão de que os preços subirão indefinidamente. Segundo: o Brasil tem recebido muitos investimentos estrangeiros, que certamente impulsionam o mercado imobiliário. Se esse dinheiro de fora parar de chegar, pode haver problema. A terceira preocupação vem da mudança na política monetária brasileira. As taxas de juro do país estavam no nível mais baixo da história e, nos últimos meses, voltaram a subir bastante. A alta dos juros pode desestabilizar o mercado imobiliário, ao criar alternativas de investimento mais atraentes que a habitação.

ÉPOCA – O senhor afirma que São Paulo é um mercado imobiliário à parte no mundo. Por quê?

Green – São Paulo chama a atenção pelo extraordinário desequilíbrio entre oferta e procura de imóveis e pelo enorme afastamento entre trabalho e moradia. Sou de Los Angeles, uma cidade criticada por ter os postos de trabalho concentrados demais. Temos cerca de 6% dos postos de trabalho na região central da cidade. São Paulo é muito pior. Cerca de 80% dos postos de trabalho estão na área central. Para amenizar a concentração, São Paulo poderia estimular a mudança de empresas para perto das casas. Outra solução, igualmente complexa, é melhorar o sistema de transporte. Há quatro décadas, surgiu o consenso de que grandes cidades deveriam construir metrô, mas países como Brasil e Estados Unidos demoram a realizar projetos. Hoje, a construção do metrô tornou-se mais lenta e cara, incapaz de acompanhar as demandas da população.

ÉPOCA – Quanto do congestionamento nas cidades se deve ao culto à casa própria? No século retrasado, as famílias tinham moradia mais flexível. Migravam para onde havia trabalho.

Green – O culto à casa própria é um equívoco extraordinário. Ele existe, nas culturas ocidental e oriental, como algo inevitável e indiscutível. Não é. Na Alemanha, apenas 43% das casas são próprias. Na Suíça e na França, ocorre a mesma coisa. Esses países, com alto nível de coesão social e ótima situação econômica, são exemplos de que alugar uma casa é uma excelente opção de moradia. Sobretudo para jovens e solteiros, interessados em aproveitar oportunidades em diferentes lugares. Alugar é uma alternativa melhor do ponto de vista econômico e social, mas, quando digo isso nos Estados Unidos, me olham como se eu fosse louco. Acham impossível ter uma boa vida sem ser dono de uma habitação. Isso, sim, é loucura. Por mim, jovens poderiam usar o capital da casa própria para investir num pequeno negócio ou no mercado de ações.

ÉPOCA – No Brasil, como em diversos países, facilitar a compra da casa própria é uma política de governo.

Green – Se eu fosse o rei do mundo, o governo ficaria restrito a regular e a estimular os mercados de aluguel e financiamento. Bastaria garantir condições justas e deixar o mercado decidir o que as pessoas preferem. O bom funcionamento do mercado de aluguel depende de leis transparentes, com direitos e deveres de proprietários e inquilinos previstos e respeitados. Inquilinos devem ter tranquilidade para morar. Proprietários devem ter facilidade para despejar o inquilino em caso de calote. No Brasil, faz todo sentido criar um ambiente favorável ao aluguel de imóveis.

ÉPOCA – Como a valorização das áreas centrais muda a dinâmica das cidades?

Green – O fenômeno mais interessante nas capitais americanas, nas últimas duas décadas, é a entrada de dinheiro nas áreas centrais. Em Washington, no Distrito de Colúmbia, o centro atrai solteiros e casais sem filhos, de classe média. Eles tomam o lugar de famílias pobres, que se mudam para os subúrbios. O impacto populacional dessa mudança não é tão claro, mas o impacto financeiro é bastante concreto. Como a prefeitura arrecada parte da valorização dos imóveis, a condição fiscal da máquina pública melhorou bastante. Agora é possível prestar serviços muito melhores. Mas os principais interessados nesses serviços não conseguem desfrutar a melhora, uma vez que foram empurrados para lugares com serviços públicos ruins.

ÉPOCA – Como o governo pode manter a oferta de serviços públicos perto dos pobres, que mais precisam deles?

Green – Em Washington, houve um ganho de arrecadação pública suficiente para subsidiar a permanência de famílias pobres em áreas recém-valorizadas. Mesclar as classes sociais tornaria a cidade mais agradável para todos os moradores, com mais oportunidades e melhor qualidade em serviços, como coleta de lixo e conservação de parques. Racionalmente, faria sentido mesclar, mas politicamente é improvável. Os novos moradores precisariam ter desprendimento, para ver o dinheiro de seus impostos aplicado em manter gente pobre na vizinhança.

ÉPOCA – Que capitais empregam dinheiro público para mesclar classes sociais?

Green – Londres e Nova York gastam dinheiro para subsidiar a moradia popular em bairros caros. Algumas famílias pobres moram na ilha de Manhattan. Não muitas, mas existem. Em Hong Kong, mais da metade dos moradores recebe algum subsídio.

ÉPOCA – Em vez de pagar subsídios, por que não deixar os mais pobres buscar bairros mais baratos?

Green – Dallas e Houston, no Estado do Texas, não pagam subsídios. Elas têm um desenvolvimento espalhado, com famílias ocupando casas bem distantes, incrivelmente baratas. Os terrenos são basicamente grátis, então sempre existirá uma casa à altura do orçamento. Essas cidades têm desenvolvimento amorfo, com bairros não exatamente urbanizados. O morador passa grande parte do dia dentro de seu carro, dirigindo de um lado a outro. É impossível ter transporte público excelente com um modelo de urbanização espalhada. Não funciona. Você pode ver isso em Brasília, uma área de baixa densidade onde é difícil fazer o trânsito funcionar. O Estado economiza o dinheiro dos subsídios, mas paga caro pelo espalhamento urbano que vem a seguir.


ÉPOCA – Qual a opção ao modelo de espalhamento urbano?

Green – O modelo oposto existe em cidades como Hong Kong. A urbanização de alta densidade tem maior eficiência energética e menor impacto ambiental, ao favorecer o transporte público. Mas os imóveis tornam-se mais caros. Para compensar, as prefeituras adotam subsídios. Naturalmente, esse modelo tem problemas. O subsídio abre flancos para a corrupção e distorce o mercado imobiliário. As construtoras deixam de fazer os prédios certos, nos lugares certos, porque as necessidades do consumidor são mascaradas pela injeção de dinheiro público. O adensamento urbano com subsídios traz em si uma certa ineficiência, mas é a melhor opção.

ÉPOCA – Que capitais podem inspirar as capitais brasileiras?

Green – Hong Kong e Cingapura são os grandes exemplos. Não são cidades especialmente amáveis ou bonitas, mas cresceram muito rapidamente nos índices de índice de desenvolvimento humano (IDH). Quando fui a Cingapura pela primeira vez, em 1992, apenas metade dos moradores tinha acesso à água e esgoto. Agora, são 100%. Em 20 anos. E uma conquista notável. Eles fizeram isso com boas ideias para usar a terra, aproveitar a valorização imobiliária e desenvolver a infraestrutura. Hong Kong leiloa áreas de expansão, em disputas públicas bastante transparentes. Com o dinheiro da valorização dos terrenos, consegue implantar serviços. Talvez seja impossível reproduzir a habilidade dessas sociedades de chegar a um consenso. Mas vale a pena olhar de perto.

Fonte
Reply With Quote