Homenagem póstuma
Com inauguração prevista para o fim do ano, o Jardim Burle Marx ajuda a resgatar a importância do paisagista na formação da capital
Representação do projeto e a área hoje (no detalhe): orçamento de 6,5 milhões de reais (Fotos: Divulgação)
Dos quatro modernistas responsáveis por dar forma a Brasília, o paisagista Roberto Burle Marx ocupa o lugar de menor destaque nas costumeiras referências e homenagens feitas aos outros ícones do nosso panteão. Na maioria das vezes em que o assunto é tratado, o arquiteto Oscar Niemeyer, o urbanista Lucio Costa e o artista plástico Athos Bulcão aparecem como os grandes responsáveis pela construção da capital. Autor de alguns importantes projetos da cidade (veja o quadro abaixo), Burle Marx ganhará, duas décadas após a sua morte, outro espaço nobre no Plano Piloto. Segundo o governo, até o fim do ano estará pronto o Jardim Burle Marx, uma área de 223 000 metros quadrados localizada entre a Torre de TV e a rodoviária. O desenho, elaborado em 1975 pelo próprio artista, nunca saiu do papel. Recentemente, as autoridades locais resgataram a planta, que foi detalhada e atualizada pelo escritório de Haruyoshi Ono, um antigo sócio do paisagista.
Avaliado em 6,5 milhões de reais, o projeto exibe todas as características que marcaram a trajetória do seu autor: a implantação de calçadas, ciclovias, espelhos-d’água, irrigação automatizada e canteiros ornamentais. Também terá plantas típicas do cerrado, como ipês, pequis e palmeiras. Aprovada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a iniciativa enfrenta, no entanto, resistência entre os descendentes de Lucio Costa. Filha do urbanista, a arquiteta Maria Elisa Costa diz que o esboço foi rejeitado na época de sua apresentação. Ele não seria compatível com o plano inicial de Brasília, que previa gramados impecavelmente tratados para dar a sensação de que o céu encostava no chão. Maria Elisa defende a revitalização da área, mas sem o aproveitamento do projeto do paisagista. “É preciso simplesmente cuidar dela direito”, afirma.
Parte das obras de revitalização para a Copa do Mundo, o jardim deve se juntar aos outros trabalhos de Burle Marx em Brasília, a maioria das décadas de 60 e 70. São dele a Praça dos Cristais, no Setor Militar Urbano, a Praça das Fontes, no Parque da Cidade, e as áreas verdes do Banco do Brasil, no Setor Bancário Sul, e dos palácios Itamaraty, da Justiça e do Jaburu. Também levam sua assinatura os projetos de paisagismo da 308 Sul, do Teatro Nacional e do Tribunal de Contas da União. Todos foram tombados pelo GDF no ano de 2011. Ainda é possível achar a marca do mestre em endereços particulares, como as embaixadas da Alemanha, Estados Unidos, Irã e Bélgica.
De maneira geral, essas obras estão malcuidadas. “Ao longo do tempo, os jardins de Burle Marx sofreram alterações, e nós não temos em mãos a maioria dos projetos originais detalhados”, afirma Rômulo Ervilha, chefe do Departamento de Parques e Jardins da Novacap. Além disso, muitas plantas especificadas na época estão quase extintas ou nunca foram trazidas à capital. Atualmente, existem apenas dois projetos de revitalização em andamento: na Praça das Fontes e no Teatro Nacional. A Praça dos Cristais passou por reforma em 2009.
Roberto Burle Marx ficou conhecido por modernizar o paisagismo no país. Nascido na cidade de São Paulo em 1909 (morreu em 1994), mudou-se com a família para o Rio de Janeiro quando ainda tinha 3 anos. Curiosamente, foi durante uma curta temporada na Alemanha que ele iniciou sua paixão por plantas brasileiras. Ao usar espécies nacionais, numa época em que só se valorizavam flores europeias, revolucionou sua área de atuação. “Ele transformava os jardins em grande painéis, e o verde entrava para compor a paleta de cores. Por isso, é considerado um dos grandes do mundo”, explica Jenitto Gentilini, diretor executivo do Jardim Botânico de Brasília.
Os conceitos de arquitetura e urbanismo que pregava eram muito parecidos com os defendidos por Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Assim, soou natural a escolha de seu nome na formatação da nova capital federal. Na época, uma de suas grandes intervenções na cidade foi incluir o cerrado nos projetos. Hoje, o botânico autodidata tem seu acervo de plantas conservado num sítio de 365 000 metros quadrados em Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro. Preservado pelo Iphan, o local está aberto à visitação. Se não puder viajar até lá, um passeio por Brasília sempre ajudará a entender Burle Marx.
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