Presente bilionário
Nova Lei Geral das Telecomunicações pode dar às operadoras até R$ 105 bilhões em bens que pertencem à União. A principal beneficiada é a Oi, que está em recuperação judicial
Aprovada em 1997, a Lei Geral de Telecomunicações era considerada arcaica por dez entre dez analistas do setor. Quando foi redigida, a telefonia fixa era o foco de atenção. Hoje, ela mais se parece com um dinossauro à espera da chegada do meteoro que vai dizimá-la. Modernizar a legislação, portanto, sempre foi uma demanda antiga das operadoras de telefonia. Mas um texto aprovado pelo Senado Federal, que agora precisa ser sancionado pelo presidente Michel Temer, está provocando um grande rebuliço.
Para alguns, as novas regras dão de bandeja às empresas de telecomunicações bens que pertencem à União, um presente que pode chegar até R$ 105 bilhões, segundo cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU). “Somos contra porque traz prejuízo ao consumidor”, diz Maria Inês Dolci, coordenador do Proteste, que assinou um nota de repúdio com 21 entidades. Para outros, o teor da legislação permitirá novos investimentos em áreas essenciais ao consumidor, como o de banda larga, em vez de gastar recursos em orelhões. “Ela devia ter sido aprovada há cinco anos”, afirma Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco.
O item mais polêmico é questão dos bens reversíveis. Pelas regras atuais, todos os ativos públicos, como equipamentos e prédios, deveriam retornar às mãos do governo ao fim da concessão, em 2025. O novo texto diz que só devem ser devolvidos aqueles bens que são considerados essenciais à operação. Dessa forma, os imóveis que não estão mais em uso passam às mãos das operadoras de telefonia. A Oi, que está em recuperação judicial com dívidas de R$ 65,4 bilhões, é a grande beneficiada com essa definição.
Dos R$ 105 bilhões em bens públicos, quase a metade (R$ 51,9 bilhões) pode passar a ser propriedade da Oi, segundo os cálculos do TCU, que leva em conta dados fornecidos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “Somos a maior imobiliária do mundo”, chegou a dizer certa vez Bayard Gontijo, um ex-presidente da Oi, referindo-se aos mais de sete mil imóveis nos quais a operadora não podia vender. A endividada operadora também se beneficia da mudança do regime de concessão para o de autorização. Hoje, além da Oi, a Telefônica Vivo, a Sercontel, a CTBC e a Embratel são consideradas concessionárias de telefonia.
Com isso, todas têm obrigações de universalização do serviço, principalmente o da telefonia fixa. Agora, elas podem mudar o regime para o de autorização, como a TIM. Para tanto, terão de cumprir outras obrigações, que devem estar ligadas a investimentos em banda larga. “Essas mudanças são essenciais para que algum investidor se interesse pela Oi”, diz uma fonte do setor de telecomunicações. “Poucos investiriam na empresa com as regras atuais.”Ao mesmo tempo em que altera a Lei Geral de Telecomunicações, o governo sinaliza um “perdão” das multas à Anatel.
Nesse caso, a agência reguladora e operadoras negociam Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que trocariam as penalidades por investimentos. Só a Oi tem dívidas de R$ 11 bilhões, segundo a empresa, ou R$ 20 bilhões, de acordo com a Anatel. O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, disse, na terça-feira 20, que o governo não vai abrir mão dos recursos que tem a receber da operadora Oi. Mas não descartou a possibilidade de que o pagamento seja convertido em novos investimentos da empresa no setor. "Desde que seja positivo para o Tesouro, para o governo e para o País e que haja contrapartidas muito expressivas, eu acho que é correto analisar", afirmou o ministro.
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Boi na linha
Principais mudanças da Lei Geral de Telecomunicações e suas polêmicas
1) Empresas podem mudar o regime de concessão para autorização
▲ A favor
No regime concessão, operadoras tinham obrigação de investir em telefonia fixa, um serviço em desuso pelos brasileiros. Agora, terão obrigações com banda larga
▼ Contra
Não estão claras quais são as obrigações de investimento e as operadoras não teriam compromisso com a universalização dos serviços
2) Definiu como bem reversível aquele necessário para a manutenção do serviço
▲ A favor
Operadoras contam com diversos imóveis que não usam mais e estão abandonados. Agora, poderão vendê-los. O TCU estima que os valores podem chegar até R$ 105 bilhões
▼ Contra
Em meio a uma crise fiscal, os bens deveriam ser devolvidos ao governo e não ser dados de presente às operadoras
http://www.istoedinheiro.com.br/noti...radoras/444503