Conic: um centro comercial símbolo da resistência cultural no DF
Reduto de skatistas, tatuadores, artistas, barbeiros e religiosos, o local coleciona lendas e parte da história da Capital Federal
Foto: Sheyla Leal/ObritoNews/Fato Online
Conic é um centro de resistência cultural no DF
Projetado por Lúcio Costa, o Conic foi inaugurado em 1967 para concentrar o setor de diversões sul e é o ponto de encontro da diversidade cultural de Brasília. Reduto de skatistas, tatuadores, artistas, barbeiros e religiosos, o local coleciona lendas e parte da história da Capital Federal.
Após um período em decadência e de má fama que reverbera até hoje, o Conic ressurge com sua vocação comercial singular e símbolo de resistência cultural. Praticamente todas as lojas dos cinco prédios estão ocupadas, os comerciantes estão satisfeitos com a gestão da prefeita Flávia Portela e relatam um período razoável sem episódios de violência e garantem se sentirem seguros.
O Relatório do Plano Piloto, de autoria de Lúcio Costa, propõe que a área no cruzamento dos dois eixos principais da cidade seja “o centro de diversões da cidade (mistura em termos adequados de Piccadilly Circus, Times Square e Champs Elysées). (...) As várias casas de espetáculo estarão ligadas entre si por travessas no gênero tradicional da rua do Ouvidor, das vielas venezianas ou de galerias cobertas (árcades) e articuladas a pequenos pátios com bares e cafés, e ‘loggias’ na parte dos fundos com vista para o parque, tudo no propósito de propiciar ambiente adequado ao convívio e à expansão”, diz o relatório.
Início
No início de sua construção o prédio abrigou temporariamente algumas embaixadas enquanto suas sedes estavam em fase de construção, o que atraiu restaurantes e lojas mais sofisticadas. Nos anos 80 o Conic viveu o período de maior efervescência cultural de sua história.
O projeto arquitetônico teve simultaneamente oito cinemas em funcionamento, mas hoje não restou nenhum. A maioria foi tomada por igrejas. O último a ser fechado, em 2009, foi o Cineritz, que se tornou cinema erótico e casa de prostituição. Além dos cinemas, cerca de 10 grandes livrarias também estavam instaladas lá, nomes importantes da literatura brasileira e estrangeira frequentemente faziam sessão de autógrafos em uma delas.
O escritor português José Saramago já esteve cerca de três vezes por lá, de acordo com Ivan Presença, em uma dessas idas o Prêmio Nobel de Literatura fez uma tarde de autógrafo na Livraria Presença do Ivan. Que também é um dos símbolos de resistência cultural do prédio. Ivan foi dono de uma das livrarias mais badaladas da cidade, onde recebeu nomes como o chargista Henfil – que inaugurou a livraria –, Renato Russo, Frei Betto, Zuenir Ventura, Leonardo Boff, Rubem Braga, Marcelo Rubens Paiva e Adélia Prado.
Ivan se desfez da livraria e segue vendendo livros usados e promovendo recitais poéticos no Quiosque Cultural. Ivan lembra da época em que espaços culturais eram a maioria, mas lamenta a situação atual. “Hoje está horrível, predomina as igrejas evangélicas, devem ter umas 10”. O livreiro tem enfrentado um problema grave, dia 2 de janeiro vence o prazo dado pela Terracap para que ele saia do local. “A Terracap quer me tirar daqui dizendo que vão fazer uma reforma. Vou resistir. Não vou abandonar” assegura Ivan Pereira.
Decadência
Após passar por um período de decadência e abandono, na década de 90, sendo palco do mercado livre de sexo e frequentado por prostitutas, travestis e usuários de drogas, o Conic está se reerguendo. Os comerciantes persistentes instalados lá relatam ainda sofrer com o preconceito da sociedade em função desse período.
Uma das últimas lojas de discos de Brasília, a Berlin Discos, sobrevive há 26 anos no Conic. O proprietário Reinaldo de Freitas tem muitas lembranças desse período. “Como tínhamos muitas boates no prédio, o Conic era uma extensão delas, então parte do público era formado por prostitutas e travestis. Rolava um mercado de sexo aqui”, denuncia Reinaldo. “Tinha gente que tinha medo de vir para cá, era barra pesada” continua o empresário.
A Berlin Discos resistiu a toda mudança fonográfica das últimas décadas, numa época em que quase ninguém compra discos o público roqueiro cativo da loja continua frequentador assíduo. “Eles vêm para comprar discos ou só tomar um café comigo, eu atendo muitos professores de música e artistas, já vendo para a segunda geração de clientes”, conta Reinaldo.
Mudanças
Algumas mudanças aconteceram no prédio, as boates e o cinema pornô não existem mais. O ponto de prostituição foi indo para as ruas do Setor Comercial Sul. Poucos episódios de assaltos e roubos são relatos. Depois das 23 horas o prédio fica trancado por grades.
“Da área central o Conic é um dos lugares mais seguros”, elogia Reinaldo, proprietário da Berlin Discos.
O gerente da loja de instrumento musical mais nova do Conic conta que inauguraram há 4 anos e nunca foram assaltados. “Aqui a gente vê de tudo, tem pedinte e usuários de drogas, mas assaltos nunca sofremos”, conta Pedro Augusto, 24 anos.
O Conic reúne uma grande diversidade cultural, principalmente, representantes da cultura negra, hip hop e underground da cena de Brasília. Essa diversidade de público atraiu muitos comerciantes. É o caso das irmãs que montaram o Salão Afro Rainha de Sabá, há 10 anos estabelecidas lá, elas escolheram o local como ponto exatamente pela diversidade. “A gente atende a galera alternativa que gosta de tranças e penteados afros. Aqui tem variedade de lojas”, elogia Ana Paula Pereira Pereira, 27 anos, sócia do salão.
O setor é também onde ocorre a maior concentração nacional de sindicatos e de sedes de partidos políticos. Cheio de labirintos é fácil se perder em seus corredores e esbarrar numa distribuidora de doces.
Lenda
Umas das lendas que circulam na capital do país e que de tanto ser contada já se tornou realidade. É a história que JK frequentava um barbeiro no Conic. O River Salão comandado pelo Josimas Costa, 78 anos, seria o profissional responsável por manter a barba do presidente da República aparada e o cabelo bem cortado. Na primeira pergunta o barbeiro já nega o fato. "Não, não cortei, não. Isso é história que o povo conta", revela Josimas. "Cheguei em Brasília em 66, JK nem era mais presidente", conta o barbeiro.
O salão já virou uma relíquia como defini o próprio Josimas, ele abriu a barbearia há 38 anos atrás. "Tenho minha casa própria, vivo bem e crio minha família, graças ao meu negócio", assume o barbeiro que se declara satisfeito ao descrever a trajetória profissional que alcançou desde que chegou em Brasília.
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